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Poucos daqueles que passam pela casa de número 600 da rua Santo Antônio imaginam que, algumas décadas atrás, ali funcionava um centro clandestino de tortura. No endereço do bairro Bom Fim, ficava o chamado Dopinho: local onde ocorreram interrogatórios, torturas e assassinatos durante a ditadura militar. Hoje, no entanto, há poucos sinais na fachada da casa que apontem para essa sombria história. 

O legado dos anos de chumbo, inclusive, não foi suficiente para impedir que os proprietários do imóvel o anunciassem como uma “linda casa de época moderna” em uma plataforma de aluguéis temporários. Em agosto, uma ilustradora de Santa Catarina só descobriu que iria se hospedar em um antigo local de repressão quando estava prestes a realizar o depósito do valor do aluguel.

O caso do Dopinho é apenas um exemplo da história apagada de muitos endereços da Capital. Embora a ditadura tenha marcado estes espaços com morte, a ocultação sistêmica fagocita as memórias, escondendo o passado de quem passa por ali. O Rio Grande do Sul foi o estado brasileiro com maior número de locais de repressão: a Comissão Nacional da Verdade (CNV) encontrou registros de 39 locais de violações de direitos humanos no estado. 

Foi pensando no resgate desses e de outros pontos que a historiadora Anita Natividade criou o mapa Caminhos da Ditadura. O mapa, que fez parte do Trabalho de Conclusão de Curso da atual mestranda em história, foi pensado como ferramenta didática para abordar os anos de chumbo em Porto Alegre. “A “cidade imaginada” que não existe mais tal qual os tempos passados, mas que deixa vestígios através de pessoas e lugares - sendo esse último portador de um significado e de uma memória -, renova-se dia a dia conforme prédios são construídos, pessoas nascem, prédios são demolidos e pessoas falecem. A cidade imaginada está dentro de nós”, escreveu Anita em sua monografia. Para ela, o objetivo do Caminhos da Ditadura é combater o esquecimento dessa história na cidade. 

O mapa, que foi produzido em 2016 e contou com sugestões e colaborações públicas via internet, chama a atenção para pontos ligados à repressão, à resistência e à memória destes dois movimentos durante a ditadura. O Dopinho aparece entre os 95 endereços relacionados à repressão. O mapa da historiadora surgiu como uma iniciativa ligada ao ambiente digital, visando a colaboração e o uso do recurso em escolas. Mas já existiam outras iniciativas em Porto Alegre que pretendiam marcar, fisicamente, as memórias esquecidas pela paisagem urbana.

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O Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) instalou, em 2015, uma placa em frente ao Dopinho, na rua Santo Antônio, destacando a história do local. A ação fez parte do projeto Marcas da Memória, que compartilha seu objetivo com a iniciativa de Anita Carneiro: sinalizar e tornar públicos os locais onde a repressão atuou na cidade. A placa do Dopinho teve de ser reinstalada em 2021, depois de ser retirada do local. 

“A ditadura brasileira foi uma ditadura dura, mesmo que alguns falem de ditabranda. É mentira. Foi um aparelho repressivo pesadíssimo”, destaca Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e um dos idealizadores do projeto que coloca pedras com um texto em frente aos locais que tiveram ações da Ditadura Militar. Krischke relembra que o Dopinho, por exemplo, foi revelado à época depois que veio à tona o “Caso das Mãos Amarradas”, o assassinato do sargento Manoel Raimundo Soares – caso que tomou os jornais à época, mas que habita os imaginários de poucos porto-alegrenses hoje em dia. O objetivo do projeto Marcas da Memória, neste sentido, é que as placas chamem a atenção de quem passa pela rua para que possam parar alguns segundos para ler, provocando a curiosidade de buscar mais informações.  

Memória exposta nos muros da cidade

Imagem de Câmara Municipal de Porto Alegre

A curiosidade quanto a este período repressivo da história brasileira também surge misturada a memórias pessoais e familiares. A psicóloga e artista Manoela Cavalinho conta que escutava o rádio despretensiosamente quando uma fala no programa Cantos do Sul da Terra, da rádio FM Cultura, chamou sua atenção. Era o relato de Paulo de Tarso Carneiro, contando que ao visitar o Palácio da Polícia na década de 80, trabalhando como advogado, percebeu que pisava no mesmo espaço em que foi conduzido para uma cela de tortura anos antes. “Eu já conhecia essa informação, mas só nesse momento entendi que o Palácio da Polícia era também um espaço de tortura no DOPS no Rio Grande do Sul”, explica Manoela Cavalinho. “Meu pai chega ali [no Palácio da Polícia] nos anos 70, mas essa é a primeira vez que associo que ele tinha ao menos convivido com aquele ambiente”.

A partir daí, o tema da ditadura inspirou diversas das obras de Manoela, como a instalação “Esqueleto no guarda-roupas”, a exposição Território Provisório e também os epigramas que deixou em muitos pontos de Porto Alegre. Construindo frases, inserindo letra por letra as memórias nos muros e calçadas da cidade, Manoela expandiu seu trabalho e expressividade do particular para o público. A dicotomia entre a subjetividade expressa por um indivíduo mas também na coletividade evidencia a simbologia de opressão que deixa para trás marcas violentas no tecido social. 

Onde não pode colar os epigramas, a artista faz registros fotográficos, com placas ou outros artifícios, para trazer a memória, mesmo que efêmera, para os locais de repressão.

O Palácio da Polícia, que despertou suas reflexões artísticas sobre o período, foi marcado pela frase de Bona Garcia, preso político da ditadura. 

Passados 58 anos após o Golpe Militar de 64, é com o intuito de relembrar esse passado ditador que o trabalho de Manoela se desenvolve, os epigramas são escrituras que gritam em meio ao silêncio, denunciando os horrores que um dia aconteceram em locais hoje disfarçados por uma pintura bonita, como se ressignificar fosse esquecer. Para Manoela não é, e é por isso que juntamente de sua namorada, ela percorre a cidade “pichando” para desmantelar estes pactos de conivência. Para a autora, o esquecimento diz muito sobre a origem do brasileiro enquanto povo. “Não exatamente uma colaboração, mas uma acomodação”, pontua ela. 

Epigramas - Palácio da Polícia

"Tive sensação de estar num matadouro de gente."

Durante a produção dessa reportagem, a equipe percorreu alguns pontos de Porto Alegre em busca de fazer registros fotográficos e buscar mais informações sobre as marcas que a ditadura deixou na capital. Começamos seguindo os Caminhos da Ditadura da historiadora Anita Carneiro, e encontramos pelas ruas vestígios dos epigramas de Manoela Cavalinho.

Assim como a artista enfrentou resistências para fazer intervenções em alguns locais, na tentativa de tirar algumas fotos pelo celular da fachada do Comando Militar do Sul, fomos abordados por um militar que se apresentou como Sargento Castro. Ele parecia visivelmente incomodado com a presença de câmeras e olhos curiosos ali e pediu para que não houvessem registros, sem motivo aparente e mesmo sendo um prédio público, afirmando que não podíamos tirar fotos por medidas de segurança, fazendo menção a leis que não existem. Contatada a assessoria de imprensa do Comando Militar do Sul sobre o ocorrido, a nossa equipe foi informada  de que o sargento havia se confundido e que tirar fotos da rua não teria problema nenhum.

Manoela Cavalinho conta que muitos dos epigramas já se perderam: o primeiro que fez, no Colégio Militar de Porto Alegre, não durou dois dias, segundo a artista. Em frente à União Gaúcha dos Policiais Civis (UGAPOCI), a intervenção também foi retirada letra por letra. Mas a efemeridade não a incomoda: “Eu acho que muito mais que memoriais, é uma evocação das memórias coletivas.”

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Epigramas - UGAPOCI
Epigramas - Colégio Militar de Porto Alegre

“No Rio Grande do Sul era diferente”?

A União Gaúcha dos Policiais Civis foi um dos 39 locais de violação de direitos humanos registrados pela Comissão Nacional da Verdade. Tal qual o Dopinho da rua Santo Antônio, a sede da UGAPOCI não era um local destinado para a tortura por definição, mas acabou fazendo parte da estrutura de repressão na Capital, como conta Carlos Guazzelli, ex-defensor público que coordenou a Comissão Estadual da Verdade. 

“O Dopinho não era um lugar, era uma estrutura, comandada pelo centro de informação do exército. Esse Dopinho funcionou em outros lugares, um dos lugares foi ali na Santo Antônio. Funcionou também, pelos nossos depoentes, teve gente que foi preso, torturado, viu manchas na parede de sangue, no prédio da UGAPOCI, na frente do portão bonito ali, do porto.”  Segundo o advogado, esses eram lugares utilizados quando não se podia usar o DOPS. Era preciso encaminhar os presos para algum local depois de condenados, e Guazzelli traz essa como uma das hipóteses para a profusão de lugares de repressão no estado. 

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A Comissão Estadual da Verdade reuniu 81 depoimentos, que contribuíram para a investigação nacional e que hoje estão guardados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. “Uma coisa é certa: fomos o estado que mais registrou isso [lugares que foram centros de repressão e lugares de violação]”, destaca Guazzelli.

Outro ponto importante para pensar a estruturação da opressão eram as fronteiras do estado. “O Rio Grande do Sul era fechado, intocado de certa forma, porque era um corredor de fuga”, explica o advogado. O estado gaúcho também tinha um grande contingente militar, o que colaborava para esse cenário. 

Jair Krischke, do Movimento de Memória e Direitos Humanos, também reforça a questão da fronteira mas destaca como a ditadura foi precoce no estado. “Se houvessem trabalhos bem pensados na academia [sobre a ditadura], se dariam conta de que o Rio Grande do Sul foi o último estado a criar o DOI-CODI”, diz Krischke. Segundo ele, isso se deve à criação do Departamento Central de Informações, na própria estrutura da Secretaria de Segurança Pública, chefiado por militares vinculados ao Comando do Terceiro Exército – hoje, Comando Militar do Sul. Em terras gaúchas, este tornou-se um “aparelho repressivo muitíssimo azeitado”, o que inclusive figurou em um livro escrito pelo torturador Brilhante Ustra, que intitulou um capítulo de “No Rio Grande do Sul era diferente”. 

Resistência: ressignificando espaços

Mesmo em meio ao forte aparato repressivo, haviam resistências. Carlos Guazzelli destaca a contradição da época: “É um paradoxo. Tinha muita gente do Rio Grande do Sul envolvida na resistência. O Rio Grande do Sul tinha o Getúlio, o PTB, o trabalhismo histórico. O Partido Comunista tinha importância, aqui nasceu o sufragismo. Era uma tradição política que o Rio Grande do Sul tinha”.

Jair Krischke fez parte da resistência no Estado. Enquanto as fronteiras influenciavam a repressão vivida pelos gaúchos, Krischke e outros membros do que viria a ser o Movimento de Justiça e Direitos Humanos ajudaram a exilar e retirar do país políticas, líderes estudantis e outros ameaçados pelo poder ditatorial. “Começamos a colaborar, fomos conhecer a fronteira, conhecemos nosso caminho e fizemos isso - sempre digo - discretamente”, reforça Krischke. “Uma e outra vez quando me entrevistam dizem que agimos na clandestinidade. Clandestino é quem estava no poder. Nós agimos discretamente”, complementa. 

 

Com a dura realidade da ditadura também se abatendo sobre o Uruguai, o Chile e a Argentina, fez-se o movimento inverso: fugitivos eram enviados para o Brasil e, por meio de uma

Epigramas - Rodoviária de Porto Alegre

parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados,

encaminhados para países europeus. Krischke relembra com orgulho da iniciativa: “Não tinham essas facilidades, como internet ou computador. Era tudo feito no puro artesanato, com muita dedicação. Eu sempre chamava essa atividade de ‘nossa empresa de viagens’, e gosto muito de gravar que nunca perdemos um passageiro”. 

Dentro das fronteiras da cidade, também encontram-se movimentos de resistência ainda hoje. Foi o que encontramos ao visitar o chamado “Solar do Conde de Porto Alegre”. Registra-se que o casarão pertenceu a Manoel Marques de Souza, escravista gaúcho do século XIX, e que na época da ditadura, o local ficou conhecido como “Calabouço do Rato Branco”. O motivo é que o casarão serviu como uma delegacia oculta do DOPS, onde ocorriam detenções temporárias e torturas, e os militares que ali circulavam utilizavam capacetes brancos. 

 

Hoje o casarão abriga o Centro Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul, e, no térreo, fica a sede do grupo de teatro Cerco. Entre as grossas paredes do local usado para deter presos à época da ditadura, atualmente circulam artistas, são guardados figurinos e peças tomam forma. Martina Fröhlich, atriz do Cerco, conta que o grupo iniciou as

reformas em 2016, e desde 2018 ocupa o térreo do casarão. “A gente sabia do histórico desse espaço”, conta ela. Diferentemente do que ocorreu com o caso do aluguel do Dopinho, o grupo busca ocupar o espaço sem esquecer seu passado. “Tinha todo esse histórico, e até uma mística em cima desse lugar. Viemos aqui com o objetivo de ressignificar mesmo, de ocupar esse espaço de uma forma criativa que traga um benefício, que reverta esse histórico tão pesado.”

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A jornalista Maria Lúcia Badejo também desenvolveu um trabalho para relembrar esse período ditatorial. “Eu vivi essa fase e eu acho que é importante a gente mostrar para pessoas que não viveram como é viver numa ditadura.” Além de jornalista, Maria Lúcia também é guia turística especializada em turismo cultural e unindo essas duas formações criou o Walking Tour, passeio em que os visitantes percorrem locais em que ocorreram violações dos direitos humanos na época da Ditadura Militar. Para ela, a visitação provoca um impacto muito maior do que ler a respeito do que aconteceu. A reflexão do passeio está baseada em enfrentar a bagagem que a ditadura traz e como isso reflete na genealogia dos brasileiros e da estruturação do pensamento e consciência que temos da sociedade e das organizações políticas. 

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O pensamento coletivo interfere nas relações sociais e, segundo a jornalista, é possível enxergar as memórias da ditadura através da política, referindo-se a um episódio envolvendo o presidente Jair Bolsonaro. Durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o presidente Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo Rio de Janeiro, fez apologia à ditadura homenageando torturadores. "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”, declarou Bolsonaro no momento de seu voto na câmara dos deputados.  Carlos Alberto Brilhante Ustra, também conhecido como Major Tibiriçá, foi comandante do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão militar que realizava torturas durante a ditadura militar.  

Nesse cenário, Maria Lúcia reforça a importância de seu papel: “Nós, dessa minha geração, temos esse dever de mostrar para as pessoas que sim, existia uma ditadura, foi real, que houve uma série de violações de direitos humanos aqui em Porto Alegre e que muitas vezes locais pelos quais a gente tá no nosso dia a dia por locais onde havia tortura onde havia prisões ilegais e que a gente desconhece. Até porque houve um trabalho intencional da durante e após a ditadura para que houvesse um apagamento dessa história”.

Políticas de desmemória 

Esta intencionalidade em ocultar as memórias da ditadura não passa despercebida aos estudiosos da época. “No Brasil não existem políticas públicas de memória, como qualquer país mais ou menos civilizado faz. Pelo contrário, no Brasil há uma política pública de desmemória, de negação da história”, alerta Jair Krischke. 

 

Há tentativas para, oficialmente, demarcar este passado a que não devemos retornar. Em 2017, a subcomissão da Memória, Verdade e Justiça na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado divulgou seu relatório, em que instava os órgãos públicos a desapropriar o Dopinho, que passaria a “servir como memorial, como já ocorrem em outros países da América Latina, especialmente Argentina e Chile, onde há espaços para recordar os mortos e desaparecidos, deixados pelos regimes ditatoriais.” Não foi o que aconteceu. Outros grupos já levantaram a ideia de criar um centro de memória para Ico Lisboa no antigo Dopinho, mas o poder público ainda não levou a iniciativa ao cabo. 

 

Enquanto isso, a cidade segue sentindo as heranças dos anos de chumbo – mesmo que essas passem despercebidas à maioria dos porto-alegrenses.  Carlos Guazzelli conta que um dos legados evidentes da ditadura foi a própria reconfiguração urbana. “A cidade dos anos 60 e dos 70 foi muito modificada. Acabaram com o bairro da Ilhota, onde é a Fabico, expulsaram a população ali. Parte dela foi pra Restinga, parte dela criou a Vila Cruzeiro. Todas essas são heranças urbanas das políticas urbanísticas tecnocráticas adotadas pelos governos militares aqui”.

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A paisagem da cidade de hoje, como destaca Guazzelli, reverbera essa visão que partiu dos anos de ditadura. As lembranças também se manifestam de formas mais óbvias: nomes de ruas e de escolas homenageiam, ainda hoje, ditadores. Porto Alegre homenageia o marechal Castelo Branco em uma avenida, e o general João Figueiredo em um loteamento e duas escolas. Em contrapartida, musealizações de espaços marcados pela ditadura encontram sucessivos impedimentos burocráticos. Manoela Cavalinho destaca como exemplo o presídio do Ahú - hoje Centro Judiciário -, em Curitiba, que possui uma fossa utilizada durante a ditadura para tortura que até os dias de hoje não foi acessada por pesquisadores. 

As investidas do sistema ditatorial em desmantelar os testemunhos e impedir investigações sobre as práticas adotadas durante o período se tornam evidentes com a queima dos arquivos do DOPS logo após sua extinção em 1982, a mando do governador do estado, Amaral de Souza (PDS). Até o ano seguinte, quando grande parte do estado começaria a ser governada pelo MDB, partido de oposição, outros DOPS também tiveram seus documentos incinerados ou transferidos para o Sistema Nacional de Informações (SNI), criado durante a ditadura e que, segundo a CNV, era um órgão de espionagem.

Fonte: Memorial da Democracia / queima de arquivos em um sítio próximo à Porto Alegre

Ananda Simões Fernandes, doutora em História pela UFRGS e historiadora do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, conta que com os documentos que o Arquivo tem acesso, incluindo 4,6 mil fichas nominais, pode-se rastrear a dinâmica e a metodologia da polícia política no estado. Ainda assim, tornam-se evidentes as manobras adotadas pelo poder público para impedir a condenação de membros do DOPS. “Não foi nada clandestino”, afirma Ananda sobre a queima de arquivos, que foi um ato oficial. O Brasil é o único país na América Latina a não punir nenhum dos torturadores do regime militar.

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Para Jair Krischke, essa impunidade é parte fundante do país que temos hoje: “Se não entendermos isso, fica difícil entender essa democracia frágil que temos até hoje”. Segundo ele, se esta ideia não for combatida, seguirá no imaginário dos brasileiros e na concretude das instituições políticas. “Vai chegar um dia, não sei se amanhã, depois de amanhã, ano que vem ou quem sabe daqui a 10 anos, em que nós como povo vamos ter que enfrentar nossos fantasmas. Sob pena de continuarmos vivendo numa democracia claudicante”, alerta Krischke.

Acervo documental da ditadura - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

Carlos Guazzelli faz coro a essas palavras: “As forças armadas e a elite brasileira civil tinham que pagar o preço político de ter criado um regime que para se apoiar, dentre outras coisas, precisou recorrer a esses crimes contra a humanidade”. Caso contrário, corremos o perigo de seguir vivendo em uma democracia que sangra. “Dizem para deixar debaixo do tapete, mas quando tem uma cicatriz, quando tem um corte, tem que mexer para cicatrizar”. 

Em todos os cantos de Porto Alegre, os gritos sufocados ainda ecoam na memória daqueles cabalmente atravessados pela úlcera social da ditadura. Este é o retrato mais dolorido na parede da memória, como cantou Elis Regina, mas que precisa ser visto para que não seja repetido. A defesa do estado democrático não é uma escolha, mas um dever.

Lei da democracia

LEI Nº 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998.

Art. 1o A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

Reportagem para a disciplina de Ciberjornalismo III

Grégorie Garighan, Luísa Teixeira, Sophia Maia e Valentina Bressan

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